sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Clássicos da Cinemateca - Bonequinha de Luxo (1961)


Moon river, wider than a mile
I'm crossing you in style some day
Oh, dream maker, you heart breaker
Wherever you're going, I'm going your way
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“Você sempre pode dizer que tipo de pessoa um homem é, pelos brincos que ele lhe dá.”
No livro Breakfast at Tiffany's, de Truman Capote, Holly Golightly é uma prostituta bissexual, que fuma maconha e fala palavrão. No filme, ela é Audrey Hepburn! A adaptação da obra de Capote pode não ter sido a mais fiel possível, mas se tornou um imenso ícone. A imagem de Hepburn com seu coque, tiara, luvas pretas e cigarro na mão se tornou mítica. Ela atravessa gerações, culturas e é hoje um dos símbolos mais queridos do cinema. Nem precisamos assistir ao filme para conhecermos Holly. Ela existe por si só, ela estampa camisas, ela ilustra cartazes, canecas, sites de cinema. No entanto, é preciso ver o filme para amá-la de verdade.Bonequinha de Luxo (1961) é uma comédia romântica clássica, e “clássica” não quer dizer velha (raramente quer). O filme de Blake Edwards é clássico porque define o melhor do seu gênero.
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Paul: “Eu te amo”. Holly: “E daí?”
Bonequinha de Luxo poderia ter sido um filme completamente diferente. A princípio, ele seria estrelado por outro mito, Marilyn Monroe, e dirigido por John Frankenheimer. Monroe desistiu de estrelá-lo a conselho de Lee Strasberg e Frankenheimer foi tirado do projeto a pedido de Hepburn, já que ela nunca tinha ouvido falar no diretor. Capote era totalmente a favor da escalação de Marilyn para o papel e, ao que tudo indica, ele ficou bastante frustrado com a substituição. Reza a lenda que quando o escritor estava nos sets de filmagem, Hepburn se sentia bastante desconfortável e insegura. A atriz chegou a declarar posteriormente que foi mal escalada e que era inadequada para o papel. Paradoxalmente, Holly é a personagem mais célebre da atriz e uma das mais populares. Na época, Hepburn, que é belga de nascimento, foi a segunda atriz mais bem paga de Hollywood, só perdendo para Elizabeth Taylor.
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“Se eu pudesse encontrar algum lugar na vida real que me fizesse sentir como na Tyffany’s, então eu compraria alguns móveis e daria nome ao gato.”
Em Bonequinha de Luxo, Holly é uma jovem sonhadora, excêntrica e extrovertida. Fascinada pelo luxo e sem recursos, ela sonha em realizar um rico casamento. Na vida da moça, não falta badalação e festas, mas ela só encontra o amor quando Paul Varjac (George Peppard) se muda para o seu prédio. O bonitão, que é sustentado por sua amante, uma mulher mais velha (Patricia Neal), se fascina pela nova vizinha e pelo confuso estilo de vida da moça. Alguns dos aspectos menos palatáveis (para o público da época) da obra de Capote foram cortados na adaptação, como o fato de Holly ter realizado um aborto e também sua bissexualidade. Certamente, a personagem também foi moldada para atender à persona de Audrey Hepburn.
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“We're after that same rainbow's end, waiting, round the bend
My Huckleberry Friend, Moon River, and me.”
A comédia romântica foi um sucesso de público e de crítica, tendo sido indicada a cinco Oscars (incluindo Melhor Atriz) e levado dois (de Melhor Canção para Moon River e de Melhor Trilha Sonora). Um detalhe curioso do longa-metragem, no entanto, causou polêmica. Duras críticas e protestos foram feitos à bizarra escalação de Mickey Rooney para viver Mr. Yunioshi. O ator teve que usar uma maquiagem pesada para chegar a uma aproximação de um japonês. A representação esterotipada do personagem asiático, utilizado apenas para alívio cômico e vivido por um ator branco, não agradou em nada à comunidade asiática e incomodou muita gente. Os produtores Richard Shepherd e Blake Edwards chegaram a afirmar posteriormente que se arrependeram da escalação de Rooney. Felizmente, a presença do personagem em cena não é grande o suficiente para “estragar” o filme. 
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“Uma garota não pode ler uma coisa dessas sem batom!”
Uma das cenas mais lembradas de Bonequinha de Luxo é aquela em que Audrey Hepburn canta "Moon River" sentada na janela de seu apartamento. No entanto, essa cena quase foi cortada. Um dos executivos do estúdio Paramount teria pedido a supressão da música. Há rumores de que Hepburn teria dito: “Só por cima do meu cadáver!” A canção, de Henry Mancini e Johnny Mercer, foi criada especialmente para a atriz. Como ela não não tinha treinamento como cantora, a música, cantada em uma só oitava, foi criada para favorecer a atriz. Mesmo não sendo cantora profissional, Hepburn se sai muitíssimo bem. Henri Mancini, famoso por ser o criador do tema da Pantera Cor-de-Rosa, afirmou ter criado a melodia de "Moon River" em apenas meia hora. O compositor chegou a afirmar que, mesmo a canção tendo sido regravada por inúmeros grandes cantores, a versão de Hepburn é imbatível. No premiadíssimo musical Minha Bela Dama (1964), a atriz também canta, mas é dublada por Marni Nixon. 
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“Leva-se exatamente quatro segundos para ir daqui àquela porta. Te darei dois.”
Blake Edwards se consagrou fazendo comédias e é geralmente apontado como um dos grandes gênios do gênero. É dele a série da Pantera Cor-de-Rosa e filmes como Um Convidado Bem Trapalhão (1968) e Victor ou Victoria (1982). Edwards e o roteirista George Axelrod se apropriaram do drama nada palátável de Capote e o transformaram em dos filmes mais românticos da Hollywood clássica, cheio de humor e não isento de drama e pathos. Ainda que ajustada aos moldes de uma “bonequinha”, Holly continua sendo uma garota problemática e fascinante. Edwards e Axelrold transformaram a história de amor entre uma caçadora de fortunas desajustada e um gigolô em um conto de fadas ambientado em Manhattan.
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“Nós somos iguais, eu e o gato. Um casal de pobres coitados sem nome.”
Ainda que uma versão menos otimista e mais fiel ao livro de Capote seja bem-vinda, não se pode negar que o clássico de 1962 é encantador. Muito do charme do filme vem do carisma de Audrey Hepburn, que cria uma heróina vibrante e inesquecível. Dificilmente Bonequinha de Luxo será citado nas famigeradas listas dos melhores filmes de todos os tempos, mas ele continua entre os favoritos de muitos cinéfilos apaixonados, tendo fãs que atravessam gerações. Provavelmente, mesmo o mais cínico espectador não resistirá à cena em que o gatinho de Holly (vivido por nove “atores” diferentes) é colocado na chuva. E talvez esse mesmo espectador até suspire ao ver o antológico beijo final. 
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“Não quero colocá-la em uma jaula. Eu quero amá-la.”

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Clássicos da Cinemateca - Sonata de Outono (1978)


“Eu te amava, mamãe, era uma questão de vida ou morte, mas eu não confiava nas tuas palavras. Elas não expressavam o que os teus olhos diziam. Você tem uma voz linda, mamãe. Quando eu era criança, eu a sentia no meu corpo todo. Mas eu sentia que você não falava de coração. Eu não conseguia entender suas palavras.” 
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“Eu a amava, mas você me achava repulsiva, burra e fracassada.”
Em 1978, o cineasta sueco Ingmar Bergman lançou um dos seus últimos filmes para o cinema, o premiado Sonata de Outono. Esta foi a única colaboração do diretor com a atriz Ingrid Bergman, também sueca, com quem não tinha nenhum parentesco apesar da homonimia. Ingmar é um dos maiores nomes do cinema mundial, com uma filmografia que não cessa de impressionar gerações sucessivas; Ingrid será para sempre lembrada como uma das maiores divas do cinema hollywoodiano, uma atriz sublime que tem também importantes trabalhos na Europa. O encontro desses dois ícones do cinema é abrilhantado pelo belíssimo texto de Ingmar Bergman e pela presença arrebatadora de Liv Ullmann.
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“Eu era uma boneca com que você brincava quando tinha tempo.”
Sonata de Outono focaliza o reencontro entre Charlotte Andergast (Ingrid Bergman), uma célebre pianista, e suas duas filhas, Eva (Liv Ullmann) e Helena (Lena Nyman). Após anos de separação, Charlotte decide fazer uma visita a sua filha mais velha, Eva, e ao genro Viktor (Halvar Björk). Para a surpresa da pianista, ela encontra a filha mais nova sob os cuidados de Eva. Helena, deficiente física e mental, havia sido internada pela mãe em uma instituição de onde foi resgatada por Eva. O encontro entre Eva e Charlotte trará à tona diversas mágoas do passado. Eva, ferida pela negligência e pela indiferença maternal, confrontará sua mãe, alvo do seu mais puro amor e também do seu rancor, em um longo e doloroso desabafo.
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“Você se trancava e trabalhava e ninguém podia atrapalhar. Eu ficava do lado de fora ouvindo. Quando parava para tomar café, ia ver se você existia mesmo.”
Sonata de Outono se passa em um espaço reduzido. A ação se concentra na casa de Eva e, em grande parte, em um cômodo desta casa. Ingmar Bergman enfatiza assim o caráter extremamente íntimo dessa história. O cineasta, com o auxílio de belos e recorrentes closes, parece penetrar as almas dessas duas mulheres, que se vêem repentinamente reféns do passado e reféns de sentimentos reprimidos por muito tempo. Gradualmente, invadimos a intimidade de Eva e Charlotte e descobrimos os fantasmas dessas personagens extremamente humanas.
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“Seu cheiro era gostoso, mas estranho. Você era uma estranha já de partida. Você nem me via.”
À medida que o filme avança, Ingmar Bergman parece retirar as camadas que encobriam a essência da relação entre mãe e filha, até então, baseada em não-ditos. Gradualmente, o filme se torna urgente, como se as frustrações, as mágoas, os sentimentos das personagens estivessem por muito tempo guardados, esperando a ocasião certa para eclodirem. E essa explosão emocional se dá em uma conversa noturna entre mãe e filha, duas mulheres que nunca estiveram tão vulneráveis e tão expostas uma à outra. O embate é uma (con)fusão de sentimentos, misturados com recriminações, justificativas, verdades indesejadas. A conversa/desabafo das duas mulheres é alimentada por lembranças do passado e, através dos flashbacks, Ingmar Bergman reconstitui a história de uma relação disfuncional. Filmados geralmente em planos gerais, tais flashbacks ilustram a distância que era a base da relação entre Eva e Charlotte. 
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“Você trazia livros pra mim, livros que eu não entendia. Eu lia, lia e lia, para depois discutirmos. Você falava e me dava um branco. Eu tinha medo que você fosse escancarar minha burrice.”
Em um momento de catarse, Eva manifesta todo o seu desajuste perante à figura materna. A personagem é tomada pelos ressentimentos da infância e da adolescência e se insurge contra a mãe, em um ato de coragem que dificilmente se repetirá. Ela se rebela assim contra o seu grande ídolo, manifestando os sentimentos contraditórios que a atormentam: o desejo de ser amada e o rancor profundo que continua a lhe torturar. Vivida magistralmente por Liv Ullmann (parceira habitual de Ingmar Bergman), Eva é uma personagem ferida pela indiferença materna. Seu desabafo é um pedido de explicação, um pedido de socorro a uma mãe auto-centrada e ausente. Ullmann expõe com sensibilidade toda a fragilidade de sua personagem, que também se culpabiliza por não poder despertar o amor e a admiração da mãe.
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“Eu não percebia que a odiava, pois achava que nós nos amávamos. Eu não podia odiá-la e meu ódio se tornou um medo insano.”
Charlotte é uma mulher exuberante, bem-sucedida profissionalmente, mas que não apresenta uma verdadeira vocação maternal. A personagem é confrontada de uma maneira definitiva por sua filha e deve assim encarar seus fracassos como mãe e os efeitos que sua escolhas tiveram sobre a vida da filha. A fantástica Ingrid Bergman humaniza de uma maneira exemplar essa personagem complexa, racional e fria. Charlotte é uma mulher que se recusou a se reduzir ao papel de mãe e que colocou seus interesses pessoais, seu trabalho, na frente da maternidade. Ela se vê de repente obrigada a encarar o seu papel de mãe, um papel que ela procurou evitar por toda a vida. Charlotte é uma mulher do mundo que se preocupa sobretudo com as aparências das coisas. No entanto, ela também demonstra suas razões e suas motivações de uma maneira tal que julgá-la se torna difícil. Ao fim do filme, é possível imaginar que muito pouco irá mudar na relação entre ela e suas filhas.
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“Quando eu não disser mais nada por vergonha… você poderá se explicar e eu ouvirei e entenderei como eu sempre fiz.”
A elegância e o preciosismo da direção de Bergman são sentidos na maneira com a qual o diretor compõe cada quadro, na maneira com que ele opõe as figuras das duas protagonistas, na forma com que a câmera se fixa nos rostos das duas mulheres, no uso da música de Chopin, na utilização do contraste e das cores outonais e nas escolhas da iluminação que permitem a criação de um ambiente sombrio, íntimo e melancólico. Sonata de Outonocomunica a cada instante, através dos silêncios, dos olhares, da música, das composições, das performances inspiradas de suas protagonistas, o drama da relação mais intensa e complexa que possa existir: a relação mãe e filho.
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“Você conseguiu me ferir para o resto da vida, assim como você está ferida.”
Sonata de Outono é uma brilhante obra-prima, um rico estudo de personagens que se torna mais interessante e instigante à cada visualização. É um filme universal e atemporal, que continua relevante e desafiador, assim como os maravilhosos Gritos e Sussuros (1972),Persona (1966), O Sétimo Selo (1957), Morangos Silvestres (1957), outros clássicos de Ingmar Bergman. 
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“Eu não me atrevia a ser eu mesma, nem quando estava sozinha, porque eu detestava tudo que era meu.”
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“Você me escravizou porque queria o meu amor e você quer o amor de todo mundo.”